quinta-feira, 13 de agosto de 2009

D’outro mundo

Quando a moça entrou no ônibus só havia uma cadeira vazia, mas o homem gordo que tinha entrado na sua frente sentou-se lá. Isso deixou a moça feliz, ela gostava de ficar de pé no ônibus, seria estranho ficar de pé se houvesse alguma cadeira livre, então ela ficava feliz por todas as cadeiras estarem ocupadas.

Esta moça não era muito bonita, mas ficava linda quando sorria. E ela sabia disso, porque estava sempre sorrindo. A razão para a moça gostar de ficar de pé no ônibus era o fato de alguém sempre falar com ela, mesmo que fosse apenas um “dá licença”. Era tímida, não falava com ninguém, mas gostava quando alguém falava com ela, e gostava também de ficar ouvindo, discretamente, as conversas das outras pessoas dentro do ônibus. O ônibus era realmente um bom lugar para ela. Uma vez ela estava ouvindo a conversa de um jovem e feliz casal de namorados, o rapaz contou uma piada para a namorada: “Era uma vez um pintinho que se chamava Relam, toda vez que chovia Relam piava...” A namorada do rapaz não entendeu a piada e a moça que ouvia a conversa começou a rir. Não da piada, ela já conhecia essa, estava rindo do fato de a namorada do rapaz não ter entendido. O rapaz viu seu sorriso e falou:

– Menina, que sorriso lindo você tem! – a namorada dele não ficou com ciúmes, isso não era nada perto dos elogios que ele fazia a ela, e concordava sobre o sorriso da moça.
– Ah, obrigada!
– Tô falando sério, olha, deixa eu te dizer uma coisa...
– Hmm?
– Muitos caras vão se interessar por você, vão se apaixonar. Alguns vão se apaixonar pelo seu corpo, fuja destes, eles só vão querer trepar! Outros vão se apaixonar pelo seu rosto, estes já são melhores, vão querer coisa séria: namoro assumido pra deixar os pais orgulhosos e mostrar aos amigos uma namorada linda. Mas quando um cara se apaixonar pelo seu sorriso, não deixe escapar, este é o que vale a pena, é pra casar, é o cara que vai querer fazer você feliz de verdade, só pra ver você sorrir sempre...
– Que coisa mais linda, amor! – disse a namorada do rapaz.
– É a verdade, gatinha. – dirigindo-se à namorada – Eu me apaixonei pelo seu sorriso...

O casal começou a se beijar e a moça nem teve a chance de agradecer pelo conselho. Mas ela levou aquelas palavras em consideração, estava sempre sorrindo, à espera daquele que se apaixonaria pelo seu sorriso.

Toda vez que ficava de pé no ônibus a moça gostava de ficar perto de alguém interessante e torcer para aquela pessoa falar com ela. No dia em que o homem gordo entrou no ônibus na frente dela a pessoa mais interessante que ela viu foi um homem poucos anos mais velho que ela, com um olhar perdido de quem não sabia onde estava nem em que parada ia descer. Ele vestia uma camisa tão amassada que parecia ter sido tirada de dentro da boca de um cachorro. Os cabelos não estavam penteados e a barba precisava ser feita, mas para ela tudo isso era muito atraente.

Ficou de pé ao lado da cadeira do homem da camisa amassada e, como sempre, sorriu.

Aquele homem não tinha apenas o olhar perdido, ele realmente estava – ou era – completamente perdido. Mas se encontrou no sorriso da moça. Ele ainda estava aprendendo as coisas da vida, das pessoas e do mundo... Já tinha aprendido que era educado se oferecer para carregar as coisas das pessoas que ficavam de pé no ônibus. A melhor forma de iniciar uma interação com a moça naquelas circunstâncias era pedir para carregar seus cadernos, e foi o que fez.

– Oi, quer que eu carregue isso pra você? Parece pesado...
– Ah, obrigada! – ela ainda estava dizendo o ‘obri-’ enquanto já entregava seus cadernos, com um sorriso maior do que o usual.

O homem sorriu para ela também. Ele foi educado ao se oferecer para carregar os cadernos, mas não tinha noção de que seria inconveniente começar a lê-los. As convenções mais simples que imperam na sociedade eram estranhas para ele, que não entendia direito como as coisas funcionam nesse mundo. Abriu um dos cadernos da moça, que tinha muitos poemas, frases soltas e fragmentos de texto escritos com caligrafia impecável em todas as folhas. A moça ficou perplexa, e não conseguia ter nenhuma reação, apenas pensava: “Que enxerido! O que ele pensa que está fazendo? Por que abriu o meu caderno?”

Na primeira folha do caderno estava escrito um poema que falava algo sobre fugir para outro mundo, abaixo do poema, como uma assinatura da autora: Cecília Meireles.

O homem enxerido leu o poema e disse:

– Muito bonito isso que você escreveu, Cecília.

A moça ficou confusa, mas, vendo a ingenuidade do homem que folheava seu caderno como uma criança folheia um álbum de figurinhas, começou a rir, do mesmo jeito que riu da outra moça que não tinha entendido a piada do pintinho, e respondeu:

– É bonito mesmo, mas não fui eu que escrevi, e o meu nome é Gabriela... Você não conhece Cecília Meireles?
– Não, onde ela mora?
– Hahaha... Você está brincando, né?
– Juro que não estou. Vai, fala. Quem é essa tal Cecília?
– Haha... De que planeta você é? Pra começar ela não mora em lugar nenhum, morreu faz tempo. Foi uma grande poetisa. Você gosta de poesia?
– Estou gostando dessas do seu caderno, são todas da Cecília, ela era boa mesmo!
– Que bom que gostou. – ficou vermelha como se o elogio tivesse sido para ela.
– Você também faz poesia?
– Eu escrevo umas coisinhas, mas são horríveis, não deixo ninguém ver. – ficou mais vermelha ainda.
– Aposto que são tão boas quanto essas aqui.
– Você é gentil...
– Você tem um sorriso lindo, Gabriela. – a moça estava tão acostumada a receber elogios sobre o seu sorriso que nem se importava mais, mas, dessa vez ela já estava voltando à sua cor normal quando ficou vermelha de novo com esse elogio.

Mais três paradas e a moça chegaria ao colégio, mas ela estava ficando constrangida demais e sua timidez não lhe permitiria passar nem mais um segundo no ônibus. Pegou de volta seus cadernos, despediu-se daquele homem ingenuamente encantador e desceu em uma parada qualquer, teve de caminhar dez quarteirões e chegou atrasada para a aula de literatura.

O homem perdido não parava de pensar no sorriso da moça. Passou mais alguns minutos no ônibus e desceu em um lugar deserto o bastante para o que ele precisava fazer. Entrou num beco entre dois edifícios, onde ninguém podia vê-lo, tirou do bolso da calça algo parecido com um controle remoto de televisão, pressionou apenas um botão e foi puxado com uma força absurda para o céu. Acima das nuvens estava a sua nave, onde ele podia assumir sua verdadeira forma, diante da família, o homem desleixado transformou-se em uma grande massa flutuante e luminosa, azul, sem forma definida. Na sua língua ele disse ao irmão mais velho algo que poderia ser traduzido como: “Cara, tô apaixonado por uma terráquea! Ela tem umas coisas lindas que lá eles chamam de sorriso e poesia.”

Na aula de literatura Gabriela gostava de escrever. Ela abriu o caderno numa das poucas folhas em branco restantes e escreveu um poema confessando ter se apaixonado por um homem que parecia de outro mundo. Assinou o poema com um nome falso: Cecília Meireles

28 comentários:

Lucas Conrado disse...

Cara, que história linda!
Nunca imaginei que teria um final assim, se é que esse é o final...

Será que voltariam a se encontrar?

Tallita disse...

eu achei muito lindo *-* vai ter continuação?

Nathaly disse...

Que texto PERFEITO! quase que eu choro[não é exagero,juro]!
beijo

Julyanne disse...

Caraaaaaaca. Nem de longe eu sabia que tu escrevia assim.
Adorei.
Lindo mesmo.
Deveria ter o capitulo 2.
beeeijo :D

Alice Mesquita disse...

Quee textoo lindooo *--* muito criativido e chama nossa atenção, não dá vontade de parar de ler. Vai ter continuação?
beijos

Filipe Marques disse...

Esperava um texto "fraco"...
aos poucos foi se revelando um texto bem interessante, onde as partes pareciam não fazer sentido até que...
o quebra-cabeça ficou perfeito.

Parabéns.

Little Girl Blue. disse...

=D

sabrine disse...

é feio escutar o papainho das pessoas no onibus...
ps: acabou com etezinhoooos!!!! O.O

Anônimo disse...

Hahahahahaah, que reviravolta!
Nunca pensaria num final desses.
E eu gosto disso.

Abç!

Αιακοσ Επυαλιοσ disse...

Quando comecei a ler lembrei que também costumo pedir para segurar os pertences das pessoas. E às vezes é uma moça bonita...
Mas o final foi surpreendente.
É, sua experiência com contos tem sido bem-sucedida. ^^

Abraços!

Tham disse...

Perfeito.

Unknown disse...

Nossa me arrepiei com esse final César!
Adorei! muito bom!
Beijos
continue escrevendo...

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
renato sereno disse...

é incrível a maneira de cada um traduzir o amor, hein, César!

muito bom! os olhos até brilharam...

Thay disse...

Eu simplesmente amei.

Unknown disse...

Parabéns mano...gostei muito do texto (sou meio chato em falar, pq sempre gosto de tudo que vc escreve), mas vc escrevendo ficção agora ta super bacana.

Abração e continua ^^

Clara disse...

morri.

Anônimo disse...

não chorei por fora, mas confesso que quase caiu uma lágrima. eles vão se ver ainda? diz que sim

eloisa disse...

Nossa!

É tudo que eu consigo. Quanta criatividade. E que bonito aquilo que disse sobre o sorriso - que quando um homem se apaixonar pelo teu sorriso, é pra casar, pois ele vai querer te fazer sempre feliz para ver o teu sorriso.


Meu beijo.

Natália Corrêa disse...

Amor, essa história é coisa de outro mundo! *-*

Eu me apaixonei pelo seu sorriso.

Agatha disse...

Que lindo, eu realmente não imaginei uma massa luminosa rs Será que continua?

Um beijo.

Anônimo disse...

Caramba, lindo demais. Sérião. O final ficou meio... engraçado (pra mim, né). Mas lindo, demais, perfeito. Adorei!

;**

Thai Nascimento disse...

heyyy ameii ♥

O seu texto tah perfeito e o final, surpreendente (adoooro isso :D). - no more words -

Ahn, qnd vc puder, visita o meu blog too, vai ser o máaximo te ver lah, viu? O end.
http://thairane.blogspot.com
- Continue escrevendo... Como tods aqui, eu queria q a história continuasse...

Mariana Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mariana Ribeiro disse...

que história linda! eu adorei mesmo *-* até postei no meu blog também, com o seu nome claro :)

Anônimo disse...

Wow! Isso me surpreendeu! Eu amei a história, você escreve bem! Queria ter esse talento.

-IF

Anônimo disse...

Wow! Isso me surpreendeu! Eu amei a história, você escreve bem! Queria ter esse talento.

-IF

Anônimo disse...

Nossa, como eu não pude me dar conta no spoiler que é esse título?

-IF